Em
artigo exclusivo para o Café História, o historiador Jurandir Malerba,
professor da PUCRS e professor visitante da Cátedra Sérgio Buarque de
Holanda, em Berlim, discute os desafios e as perspectivas do historiador
brasileiro na atualidade.
Jurandir Malerba
Talvez um dos grandes diferenciais de nossa formação seja essa sensibilidade para perceber a historicidade (segundo Heidegger, Geschichtlichkeit
- “a historicidade imanente à própria vida”), desde as ferramentas do
ofício, o conhecimento dele resultante até nossa própria profissão. Se a
isso se acusa uma “perspectiva historicista”, assim sou um historicista
conformado. Mas trata-se de assunto que merece atenção. A historicidade
da profissão, seu tempo presente e suas (e nossas, dos historiadores)
perspectivas de futuro.
Tomemos
o tempo de sua profissionalização, a começar pela fundação da cátedra
por Ranke em Berlim. Este luminar da historiografia do século XIX, ele
mesmo, se não era lá um “aristocrata” avant la lettre, foi bem
nascido numa família de luteranos, tendo se iniciado no aprendizado do
grego e do latim desde tenra idade. Ainda na velha Germânia, os mais
proeminentes destiladores do método crítico eram homens de berço: von
Humboldt, Niebuhr, Droysen, Gervinus. Marx era de família remediada, mas
Engels de industrial. Na França talvez a exceção a confirmar a regra
seja Michelet. Chateaubriand morreu visconde, de família da antiga
nobreza da Bretanha. Do outro lado da Mancha, os Macaulay estão
associados àquela minoria distinta servida por homens, armas e cavalos,
egressos de Oxford e Cambridge e ocupantes de altos escalões em
Westminster. Assim como Lord Acton, cujo título honorífico que precede
seu nome já o situa . No Brasil, não carece estender, a historiografia
nasceu nas sessões dominicais do IHGB, Auspice Petro Secundo, Pacifica Scientiæ Occupatio.
No
século XX uma burguesia bem formada, autodidata, fez a história.
Bourdieu e Boaventura Santos estudaram o assunto. No Brasil, Oliveira
Lima, Caio Prado, Sérgio Buarque, Faoro são nomes ligados a atividades
urbanas, às artes e ofícios liberais. Mas tudo mudou drasticamente desde
a década de 1970, quando a história começou a se profissionalizar a
partir dos PPG’s nas universidades. Quando eu me formei no final dos
80’s, havia lá uma dúzia de PPG’s, se tanto. A vocação natural de cada
departamento criado era capacitar seu quadro docente para formar
programa próprio. Assim se fez nas últimas três décadas e hoje
(avaliação trienal de 2010) somos 54 PPG’s, 81 cursos, 54 mestrados
acadêmicos, 26 doutorados e apenas dois mestrados profissionais (o da
FGV em Bens Culturais e projetos sociais e o recém-criado mestrado
profissional em História da FURG com área de concentração em História,
pesquisa e vivências de ensino-aprendizagem). E aqui eu chego ao ponto.
Nos
últimos oito anos criaram-se dezenas de novas universidades públicas
(nos três âmbitos) e privadas. É de se pensar seriamente se a vocação –
ou a única opção - de cada novo departamento seja a constituição de um
novo programa acadêmico. Competirão com aqueles consolidados, com
décadas de experiência, infra-estrutura estabelecida, milhares de teses
defendidas. Uma competição desleal e, a meu ver, desnecessária. O Brasil
de hoje não é o mesmo do final dos anos 1980 (aleluia!). Mas passa por
uma “crise de crescimento”, cujo ponto maior de estrangulamento é a
Educação. O caminho é o da revolução coreana – e desejo crer que o
mestrado da FURG aponte para uma tendência. Compete-nos suprir uma
gigantesca demanda reprimida por qualificação. Carecem de capacitação os
jovens historiadores abertos às novas faces do mercado, nas
instituições públicas e privadas ligadas à preservação da memória e
patrimônio, ao lazer e tempo livre, à mídia e novas tecnologias e
linguagens de comunicação e mesmo ao business. Sobretudo, precisamos
qualificar os historiadores que estão lá na ponta, na sala de aula, na
nobre e difícil missão de educar jovens cidadãos brasileiros. Foi-se
tempo de Ranke, Braudel, Sérgio Buarque, de teses como O Mediterrâneo e Visões do Paraíso.
É hora e vez de repensarmos nossa missão no cenário brasileiro. O
mestrado profissional poderá ser o caminho para o fortalecimento da área
e do país.
Jurandir Malerba:
Bacharel em História pela Universidade Federal de Ouro Preto, mestre em
história pela Universidade Federal Fluminense e doutor pela
Universidade de São Paulo. É atualmente professor de história na PUCRS.
Em 2012, inaugurou a Cátedra Sérgio Buarque de Holanda de Estudos
Brasileiros na Freie Universität, Berlim. Sua produção científica se
concentra principalmente nas seguintes áreas: história moderna e
contemporânea; história das idéias no Brasil; formação do estado e da
nação no Brasil; teoria e história da historiografia. É lider do grupo
de pesquisa Teoria e História da Historiografia, do CNPq desde 2002.
Fonte: Site do Café História
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